Quais cordas devemos utilizar em espeleologia?

Didaticamente, as cordas podem ser divididas em dinâmicas e semi-estáticas (errônea, mas corriqueiramente também chamadas de ‘estáticas’). As primeiras, mais elásticas, têm como principal função assegurar uma pessoa em caso de uma queda, dissipando a energia gerada. Sua utilidade em espeleologia é restrita, portanto, às escaladas subterrâneas (e à confecção dos longes).

Como a exploração de cavernas normalmente é realizada de cima para baixo, a principal função das cordas é servir como meio de progressão (tanto na descida de condutos verticais quanto no retorno destes) e assegurar passagens expostas – devendo-se, portanto, obrigatoriamente ter a capacidade de absorver a energia gerada no caso de pequenas quedas. Deste modo, são empregadas cordas menos elásticas, as já nominadas semi-estáticas, que atenuam o desagradável, e por vezes perigoso, efeito ioiô durante a progressão.

As normas que tratam das cordas semi-estáticas para uso em acesso por cordas e em espeleologia na Europa (e em boa parte do mundo) é a norma EN 1891 e no Brasil é a NBR 15986. Muito similares, ambas distinguem as cordas em tipo A e tipo B, devendo ser construídas em diâmetros que variem de 8,5 a 16 mm. Em atendimento às necessidades dos espeleólogos e de outros esportistas de ponta, a norma europeia prevê a possibilidade de emprego de outras cordas que não estejam em conformidade consigo. Deste modo, a Federação Francesa de Espeleologia – FFS estipulou critérios para cordas com espessura e resistência inferiores ao estipulado na norma. São as cordas tipo L (reconhecidas oficialmente como válidas somente na França), restritas a equipes extremamente técnicas – justificável apenas em grandes abismos que impliquem em quantidades excessivas de material e limitado número de participantes.

A diferença essencial entre estes três tipos de cordas é sua resistência. Porém, dado que podem ter a mesma estrutura de construção e os mesmos materiais, o que as distingue em última instância é a quantidade de material empregado, que implicará em outras características (e, consequentemente, diferentes parâmetros de testes), tais como: resistência à tração e à abrasão, diâmetro, peso, volume, etc. Assim, as cordas tipo A, B e L são testadas, entre outros, com os seguintes critérios:

ParâmetroTipo A[1]Tipo B[1]Tipo L[2]
Resistência estática sem nó (tração lenta):22 kN18 kN16 kN
Resistência mínima com um nó oito durante 3 minutos:15 kN12 kN11 kN
Depois de uma queda fator[3] 0,3 deve resistir a quantas quedas fator 1:
Com uma massa de:
5
100 kg
5
80 kg
2[4]
80 kg
Força de choque[5] inferior a:
Com um fator de queda de/com uma massa de:
6 kN
0,3 / 100 kg
6 kN
0,3 / 80 kg
6 kN
0,3 / 80 kg

Visto que as resistências mínimas das cordas tipo B estão longe de serem baixas, e que a quantidade de massa cresce com o quadrado do raio da espessura, não há justificativa para o uso de cordas tipo A na progressão habitual de uma exploração espeleológica. Isso daria uma “margem de segurança” muitas vezes superior à real margem de segurança necessária, às custas de pesadas mochilas de equipamentos, prolongando os períodos no interior das cavernas e aumentando o cansaço, o que, inevitavelmente, diminui a segurança do grupo. 

Entretanto, no caso dos resgates espeleológicos, as tensões dos sistemas de içamento são bastante superiores aos observados na progressão, devendo suportar, por vezes, o peso de até 5 pessoas. Deste modo, é convencionado o uso de cordas tipo A nestas situações.

Resumo

Então, que tipo de corda usar? Em resumo, quando formos realizar:

  • uma escalada subterrânea: corda dinâmica;
  • progressão em expedições normais: cordas tipo B, podendo ser tipo A (caso se tenham apenas cordas deste último tipo; quando a via for demasiadamente utilizada – grandes grupos, ou expedição muito longa; grupos com razoável número de pessoas inexperientes; equipagem técnica não tão rigorosa – durante instruções, por exemplo; maior risco de queda de blocos; deixar a corda na caverna para retorno em expedição sucessiva, etc);
  • progressão em operações de resgate: idem ao item anterior (com exceção ao fato de que não deverá haver pessoas inexperientes);
  • sistemas de içamento da maca em resgate: por protocolo, sempre cordas tipo A.

As cordas tipo L são um caso à parte. Dado que não são regulamentadas no Brasil (sendo reconhecidas como ‘cordas de progressão’ apenas na França, onde foi criada esta categoria de cordas), são indicadas somente para equipes reduzidas, altamente técnicas em abismos profundos, dado que oferecem margens mínimas de segurança.

Referências bibliográficas

  • Manuel Technique de Spéléologie (2ª edição), 2011
  • Técnicas de Espeleología Alpina, 2003
  • Manual do Espeleorresgatista (1ª edição), 2017

Notas

  1.  Parâmetros estipulados pela EN 1891 e pela NBR 15986.
  2. Parâmetros estipulado pela Federação Francesa de Espeleologia (FFS).
  3. O fator de queda (F) é a relação matemática entre a altura da queda (H) e o comprimento de corda que efetivamente assegurou a queda (L): F = H/L
  4. Sem nenhuma queda prévia de fator de queda 0,3.
  5. A força de choque é a força transmitida ao corpo (e aos mosquetões, ancoragem, etc) ao assegurar uma queda.

CER 0007 – 06-2018

Bernardo Bianchetti, Coordenador Pedagógico da Comissão de Espeleorresgate — SER/SBE